Autismo: uma condição que não caracteriza uma doença, mas sim, uma variação do funcionamento típico do cérebro — um distúrbio do neurodesenvolvimento caracterizado por manifestações comportamentais, déficits na comunicação e na interação social.
Segundo Wagner Saltorato, analista de pesquisa da APAE Brasil, o país adota como índice de classificação do autismo o CID, um documento organizado pela OMS onde encontram classificadas todas as doenças. E se divide em três níveis, de acordo com o grau de comprometimento e a necessidade de ajuda.
“Se tem a deficiência intelectual leve e tem um comprometimento de linguagem; se tem a deficiência leve e sem a deficiência de linguagem funcional. Ou se ele tem uma deficiência intelectual e a linguagem é prejudicada. Essa é a classificação atual.”
Os primeiros sinais de TEA podem ser percebidos nos primeiros meses de vida, mas o diagnóstico preciso só costuma ser estabelecido por volta dos 2 a 3 anos de idade. Para Wagner, “o maior volume de informações que temos hoje, com a internet e as redes sociais, permite que mais pessoas conheçam o TEA, se identifiquem com os sintomas e cheguem a um diagnóstico.”
Guilherme de Almeida, de 41 anos, foi diagnosticado adulto, aos 38. O professor e pesquisador da Unicamp e ainda presidente da ANIA-BR (Associação Nacional para Inclusão das Pessoas Autistas) concorda que o aumento do volume de informações sobre a condição na mídia faz com que mais pessoas se identifiquem e busquem o diagnóstico — sobretudo adultos.
Segundo ele, há um fenômeno, uma busca por se encontrar. “A gente vive numa sociedade que busca identidades que nos definam e, muitas vezes, as pessoas se encontram em razão de uma falta de possibilidade de se encaixar em outra perfis, por isso buscam o diagnóstico.”
Os avanços das Políticas Públicas
Tramitam no Congresso diversos projetos de lei para aumentar os direitos dos autistas. Um deles é o PL 3080/2020 que cria a política pública nacional para garantia, proteção e ampliação dos direitos das pessoas com TEA. O autor, deputado Diego Garcia (Republicanos -PR), explica que apensadas ao PL estão outras 25 propostas e o projeto aborda diversos temas.
“O PL 3080/20 cria a política pública nacional para garantia, proteção e ampliação dos direitos das pessoas com TEA. Ele fala sobre apoio às pessoas autistas e seus familiares, atenção integral à saúde, inserção no mercado de trabalho, incentivo a novas políticas públicas de amparo e proteção, capacitação de profissionais para atendimento especializado, entre outros pontos.”
Em termos de legislação, o Brasil evoluiu muito desde 2012, quando foi criada a Lei Berenice Piana, como é conhecida a Lei 12.764 de 2012 — que incluiu pessoas no espectro como Pessoas com Deficiência (PCD). Isso assegura que a população autista tenha atendimento preferencial em qualquer situação e acesso ao atendimento multidisciplinar, medicamentos.
Na escola, a Lei Brasileira de Inclusão ainda assegura que o aluno com TEA tenha um acompanhamento terapêutico ou AT, como é conhecido o profissional que auxilia no desenvolvimento e aprendizagem de crianças com autismo.
“ O AT tem a função de acompanhar a apoiar essa pessoa diante das suas barreiras de aprendizagem. Ele é um parceiro do professor para traduzir aquilo que o professor está passando em conteúdo para essa pessoa que tem alguma forma de barreira”, explica Wagner.
Diagnóstico, tratamento e inclusão
O primeiro passo após o diagnóstico é buscar tratamento que inclui terapias diversas com uma equipe multidisciplinar. Médicos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, pedagogos e fisioterapeutas fazem parte desse quadro e são essenciais para garantir que a pessoa se devolva e atinja todo seu potencial.
A inclusão em ambientes educacionais também faz diferença no desenvolvimento da pessoa com autismo. Silvano Furtado, de 23 anos, é aluno de Direito da USP e criou um movimento para implantar a política de acessibilidade que acontece hoje na Universidade. Para o estudante, que foi diagnosticado aos 20 anos, a inclusão é fundamental, mas precisa ser feita de forma estratégica.
“O risco da falta de ação é não se criar adaptações e um ambiente escolar inclusivo e convidativo onde estejam pessoas dos mais variados espectros.” — adverte.
Para Silvano, o excesso de cuidados também pode ser prejudicial para pessoas enquadradas no espectro autista. “Eu temo muito pelas soluções voltadas a escolas especiais, acompanhamentos terapêuticos que, na verdade, são uma afronta à política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva.”
Números no Brasil
De acordo com o relatório do CDC (Centers for Diseases Control and Prevention), publicado em março de 2023, 1 em cada 36 crianças aos 8 anos de idade é diagnosticada com TEA. Ao relacionarmos esse valor para o Brasil, podemos calcular o número de pessoas com o transtorno no país. Com uma população estimada em 203.080.756 — segundo o Censo 2022 — teríamos cerca de 5.641.132 autistas no país.
Esse número representa um aumento de 22% em relação ao estudo anterior, feito em 2018 e que estimava que 1 em cada 44 crianças apresentava TEA naquele ano.
O autismo só foi adicionado à Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial da Saúde em 1993. A demora na inclusão do autismo neste ranking é reflexo do pouco que se sabe sobre a questão. Ainda nos dias de hoje, o diagnóstico é impreciso — e nem mesmo um exame genético é capaz de afirmar com precisão a incidência da síndrome.