Com o objetivo principal de compreender a realidade dos beneficiários da Fundação Porta Aberta, que realiza um trabalho de reinserção social e produtiva de pessoas em situação de vulnerabilidade e risco social, especialmente as que buscam se recuperar da dependência química. Dessa forma, a H2R Insights & Trends realizou estudo em parceria com a Fundação com o propósito de compreender a trajetória dessas pessoas, entendendo o histórico e impactos em suas vidas, a fim de orientar estratégias para os projetos realizados pela Fundação Porta Aberta. Entre os pontos convergentes, a pesquisa revela que 70% dos usuários já estiveram em situação de rua em algum momento da vida.
Para grande parte, essa experiência é longa: seis em cada dez entrevistados estiveram mais de dois anos em situação de rua. Atualmente, quatro em cada dez entrevistados estão morando em alguma instituição social ou de tratamento, além de que vem aumentando o número daqueles que moram em casa alugada ou própria, trazendo mais segurança para suas vidas.
“Ao conhecermos a história dessas pessoas e identificarmos pontos onde elas convergem, é possível identificar tendências, o que permite que a Fundação Porta Aberta e outras instituições que se dedicam ao combate da dependência química desenhem estratégias. Esse é um problema com profundo impacto social, sob os mais diversos pontos de vista”, analisa Alessandra Frisso, diretora da H2R e responsável pela pesquisa.
Perfil dos entrevistados – No tocante a situação de rua, o estudo identificou que oito em cada dez beneficiários que passaram pela situação de viver na rua são homens, entre 30 e 59 anos de idade e pertencentes à cota PPI (pretos, pardos e indígenas – designação da Lei de Cotas do governo federal).
De acordo com os dados, 71% dos entrevistados se consideram pretos ou negros, pardos e indígenas e apenas 1/3 se autodesignou branco, demonstrando que a grande maioria dos beneficiários da FPA são parte de comunidades historicamente em posição de vulnerabilidade social. Ainda considerando o total de respondentes, 71% deles têm filhos e, entre aqueles que têm filhos, 48% têm pelo menos um dependente financeiro.
“Procuramos descrever o perfil sociodemográfico dos usuários de substâncias psicoativas, seu histórico de vida, bem como o impacto que o consumo e a busca por tratamento tiveram em sua trajetória pessoal. Para nós foi uma grande oportunidade podermos usar algo que somos especialistas, para a ajudar a FPA a fazer o que ela faz melhor, que é ajudar pessoas. Sabemos que os desafios são muito grandes, imensos, mas ficamos felizes em dar a nossa contribuição”, explica Alessandra.
Renda – O levantamento mostrou que 54% dos beneficiários contam com fonte de renda complementar, sendo que o auxílio do governo, o Bolsa Família[MS1] [L|2] , é de onde vem a maior parte ajuda (61%). Já entre os que trabalham (36%), as atuações são as mais variadas e voltadas à serviços gerais. Dos 46% sem qualquer tipo de renda, sete em cada dez são homens entre 30-59 anos de idade (82%); nove em cada dez são alfabetizados e três moram em instituições sociais.
Educação – Outro ponto descoberto pelo levantamento foi que a baixa escolaridade é ponto nevrálgico dessa situação, pois 35% dos entrevistados têm o ensino fundamental incompleto e apenas 8% ainda estão estudando. Observa-se que, ainda assim, 90% dos entrevistados se consideram alfabetizados. Apesar da baixa adesão aos estudos, há uma vontade de retomá-los por seis em cada dez beneficiários. Os que declaram que continuam estudando estão fazendo curso técnico, ensino básico ou CIEJA, o que significa que existe realmente a vontade de recuperar o tempo perdido e que estão recomeçando ou começando do zero.
Um olhar para o sentimento de cada um – “O preconceito é ainda um sentimento muito forte para essas pessoas e o fato de a maioria ter vivido em situação de rua faz com que ele aumente ainda mais. E essa não é uma percepção de poucos, pois 77% deles sentem que já sofreram algum tipo de preconceito em suas vidas, sendo que viver em situação de rua foi o principal motivo pelo qual o vivenciaram, seguido de classe social e pelo local onde vivem. Importante pensar que, para os beneficiários, as questões que são, de certa forma, mais faladas, como raça, gênero, sexualidade, aparência, deficiência física etc. são presentes em suas vidas, mas moradia e classe social são pontos que mais se destacam quando falamos de discriminação com esse público”, conta a diretora da H2R.
Segundo a pesquisa, o preconceito e o estigma direcionados aos usuários de substâncias influenciam suas relações em várias áreas. Na esfera pessoal, pessoas desconhecidas e familiares são os principais agentes de discriminação, enquanto na esfera institucional o preconceito vem principalmente das Polícias Militar, Civil e da Guarda Civil Metropolitana, além do mercado de trabalho. Quando se olha o preconceito no grupo pessoal, quem tem filho sofre mais, principalmente entre os familiares e companheiros românticos. Já no grupo institucional, a questão étnica prevalece, sendo o alvo principal os pretos/negros.
Conforme o estudo da H2R e da FPA, sete em cada dez pessoas entrevistadas convivem com os familiares regularmente ou de vez em quando. Perguntados como se sentem em relação a pedir ajuda aos familiares, seis em cada dez sentem que podem pedir ajuda a seus familiares enquanto os outros quatro sentem que não podem contar com este tipo de ajuda. “Sem dúvida, o apoio familiar desempenha papel crucial na vida de uma pessoa que enfrenta discriminação por preconceitos.”
Uso de substâncias – Em média, os entrevistados citam que já utilizaram cinco substâncias diferentes e, hoje, em média, duas substâncias ainda são utilizadas mesmo que de vez em quando. Álcool, tabaco, maconha e cocaína são as substâncias mais usadas atualmente, seguido por crack e remédios em geral. De outro lado, as substâncias que já foram usadas e quase abandonadas foram Ecstasy, LSD, heroína/Fentanil, Ketamina, Chá de Trombeta e K2.
O padrão de uso de substâncias psicoativas varia de acordo com a substância. Tabaco é utilizado todos os dias, assim como remédios em geral. Mais da metade utiliza maconha diariamente. Álcool tem uma frequência de uso muito variada, mas há dois em cada dez beneficiários que o utilizam todos os dias. Mesclado (uma mistura de maconha com crack), cocaína e o próprio crack parecem ter um padrão de uso parecido e mais esporádico.
Existe a consciência entre praticamente todos os participantes (91%) de que as substâncias tóxicas interferiram negativamente em suas vidas, principalmente no relacionamento familiar, saúde, autoestima, trabalho e relações amorosas. Nesse sentido, as substâncias que mais interferiram negativamente em suas vidas foram o crack, seguido de álcool e cocaína.
Tratamento – Dos entrevistados, 88% afirmaram que já buscaram algum tipo de tratamento para dependência química. Entre eles, há dois grupos distintos: aqueles beneficiários que procuraram apenas uma vez (34%) ou aqueles que são reincidentes (62%). Praticamente todos estão em tratamento no momento. A maioria está atualmente em tratamento para dependência química e o CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) é o local de referência para 87% dos que precisam de ajuda; clínicas de dependência química foram apontados por 33% deles; e 31% disseram que já buscaram ajuda nos Narcóticos/Alcoólicos Anônimos.
Um ponto que merece ser destacado é que apenas 17% afirmaram que procuraram internações em hospitais. Essas pessoas afirmaram, na maioria (52%), que esse tipo de tratamento “ajudou pouco”, “não ajudou” ou até mesmo “atrapalhou”, demonstrando rejeição a esse tipo de tratamento, mesmo que esteja em planos do governo, mas, ainda assim, são os que os beneficiários sentem ter ajudado menos.
Metodologia – A pesquisa quantitativa foi realizada a partir de uma parceria entre a H2R Insights & Trends e a Fundação Porta Aberta. Os respondentes da pesquisa participaram de maneira espontânea. Foram abordados 323 beneficiários ativos e inativos da Fundação em sete diferentes Centros de Atendimentos na cidade de São Paulo. A amostra foi construída com base na quantidade e proporção dos beneficiários em cada centro de atendimento.
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MARCO ANTONIO BARONE MORALES
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